Esta história aconteceu em 1995, há quase 20 anos, no Diagonal, um restaurante-bar muito famoso no Leblon. Naquela época havia um balcão lateral, onde os amigos se reuniam nos finais de semana para beber e colocar a conversa em dia. O escritor João Ubaldo era um dos frequentadores.
Dediquei a crônica ao biólogo Mário Moscatelli que, nesta mesma época, recuperava o manguezal da Lagoa Rodrigo de Freitas.
Fazia frio naquela manhã de outono em 1995. Uma chuva fina insistia em atrapalhar o passeio dos adeptos da caminhada. Para compensar, os mercados estavam cheios, pois o tempo estimulava o apetite. E, sem ter o que fazer, vamos às compras.
Seria mais um sábado igual a tantos outros. Mesmo com chuva a turma dos bares não deixou de aparecer no horário de costume. O sábado, esperado com ansiedade durante toda a semana, era o dia ideal para o sagrado ritual de beber alguns chopes, engordar uns quilos, aumentar a taxa de colesterol e reclamar do governo, do vizinho ou do companheiro ao lado. O importante era não ficar calado.
A turma do Diagonal lá estava, na época em que ainda se podia, democraticamente, beber de pé, encostado ao balcão, dividindo espaço com a mais rica fauna e flora da região.
Muita conversa rolou até o momento em que surgiu um daqueles vendedores de caranguejos. Era normal para alguns daquela turma, dentre os quais me incluo, comprar tudo o que aparecesse, desde queijos de procedência duvidosa mas de preço e sabor convidativos, até artigos “Made in Taiwan” legítimos, que duravam, quando muito, até o sábado seguinte. Mas caranguejos, e vivos, só com muito chope.
E foi o que aconteceu. Acabei comprando quatro ou cinco fieiras, pois já me preparava para ir embora e sabia o quanto minha mulher, como boa baiana, apreciava aquele crustáceo. Os bares nos ensinam o quanto é importante fazer uma média em casa para manter o habeas-corpus.
Caranguejos no tanque, libertos das cordas que os torturavam, um pouco d’água para mantê-los espertos, e vamos dormir para curar a ressaca.
O tempo passa, acordo refeito e mostro à minha mulher, esperando os elogios, o apetitoso presente que cuidadosamente trouxera para ela.
– Mas quem vai matar? Eu não mato. – disse decidida.
– Muito menos eu. – retruquei.
– Então vamos soltá-los! dissemos juntos.
Esperamos escurecer. A chuva, que começou logo cedo, continuava sem trégua. Conseguimos encontrar uma bolsa resistente e reunimos os mais de cinqüenta agitados bichinhos, com suas garras (apetitosas) vibrando no ar, procurando algo, assim como um dedo, para se agarrar.
E lá fomos nós para as margens da lagoa Rodrigo de Freitas, nas proximidades do Clube Caiçaras, libertar aqueles que, pela madrugada, morando em Magé, nem imaginavam que mudariam para a Zona Sul tão depressa.
Esta história ficou guardada por todos esses anos e só os que estavam naquela manhã no Diagonal talvez dela ainda se recordem. A poluição da Lagoa, com a mortandade que ocorre freqüentemente, me fez relembrá-la.
O que teria havido com aqueles caranguejos e seus descendentes? Teriam conseguido sobreviver desta vez?
Faz tempo que não vou ao Rio e não sei como está a qualidade da água da Lagoa Rodrigo de Freitas. Acredito que o trabalho que Mario Moscatelli fez há 20 anos esteja frutificando.
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O melhor lugar para preservar este depoimento é no TSB.
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